mutismo

dia desses, supermercado
tão dona de casa e do nariz,
escolhendo fragrância de sabão em pó pras minhas roupas de todo dia,
um cheiro que agradasse a quem se abraça
(nenhum abraço em especial em mente)

quando,
de repente,
assim sem mais,
entre músicas aleatórias e dispensáveis
tocou uma que
teria me feito chorar, se eu ainda conseguisse;
que me fez lembrar de você
- de você e de todas as histórias que a gente não viveu,
e de todo o hiato a que nos impusemos,
e da minha covardia em admitir que

eu só queria que você soubesse
que a minha maior vontade naquele dia tão impropício de adeus
era dizer que era tudo recíproco,
que eu não imaginava que você
fosse um dia pronunciar aquelas coisas todas.

e fiquei calada,
sentindo o cheiro da tua camisa,
cheiro bom de sabão e perfume e pele,
silêncio pesado,
apenas porque era doloroso demais lidar.

[a vida é feita de momentos estranhos,
pedaços pequenos de pequenos absurdos.]

e me fez lembrar como naquele dia,
(outro dia, bem depois)
eu quis te falar tanta coisa,
esclarecer, retomar, pedir desculpa,
mas era tão complicado
- tão absurdamente inexplicável -
que eu apenas respirei fundo e fingi
que nada tinha acontecido,
que o tempo tinha apagado todos os erros,
que era possível esconder a ponta de dor que despontava
porque pareceu mais fácil,
mas não era.

cheguei em casa
querendo que as coisas pudessem ter acontecido de uma outra maneira,
feliz ou triste, tanto faz,
contanto que apenas mais intensa,
menos velada.

só que
cada um com uma vida própria,
a vida tem vida própria,
e a gente nem controla,
só se abandona,
e navega
e flutua
- enquanto pode.

ouvindo: The akara, Beirut.
lendo: Crônica de um amor louco, Charles Bukowski.

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