As coisas têm gosto de longe, ela disse e fez uma cara que combinou bem com a frase : olhar meio perdido e aquele mexer de boca entreaberta de quem ia falar mais, e depois desistiu, juntando os lábios de novo. Odeio quando essas coisas acontecem, minha curiosidade estala feito sei lá o quê. E eu fiquei quebrando a minha cabeça para entender o que exatamente significava aquilo, de onde tinha surgido, qual era a reação esperada de mim. Beatriz sempre me colocava nessas situações constrangedoras em que eu me via obrigada a comentar algo muito profundo para parecer uma pessoa minimamente interessante - as palavras eram um dos únicos recursos que sobravam, já que as outras qualidades tinham nascido faltando. Os giros cerebrais funcionando a mil rotações por milissegundo, para fornecer uma resposta à altura, dessas que fariam os olhos dela - bonitos, tão bonitos - piscarem repetidamente, de alegria e espanto por se saber compreendida. Mas as tais respostas à altura nunca vinham assim fácil na hora necessária. Engraçado como minhas tentativas de não falar besteira eram piores do que as próprias besteiras, mas eu continuava tentando. E tinha outro jeito? Às vezes se sabe quando é melhor enfrentar o peso do silêncio, mas Beatriz emanava um cheiro bom, feito chuva de fim de tarde que vem refrescar o corpo cansado da gente, e que me fazia ter certeza que era preciso tentar um contato, de algum jeito, qualquer jeito, desesperado, bobo, o que fosse. Porque valeria a pena.
ouvindo: Ziegel Straße, Café do Vento.

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