Funambulismo

me esforço e insisto,
finjo bem
- até certo ponto -,
mas às vezes acho mesmo é que não nasci pra uma vida assim
metódica
calculada
aceitável
esperada
e monotonamente convencional:

casa de conjunto
com cerca branquinha,
cal nas paredes,
cachorro com lacinho,
comida de sempre,
conta corrente,
crianças no jardim.

e agora, doutor?
o que eu faço
com essa minha vontade de jogar fora
tudo o que construíram para mim
durante anos a fio
de ouro e enxada?

com esse desejo de cortar os pés em vidros quebrados,
cacos de espelhos
formando dezenas de imagens fragmentadamente
bonitas.

que fazer, doutor?
eu que não tenho tino
para a arte
pros negócios
para a ciência
pro amor,
só tenho esse talento
(inútil?)
para
sentir sentir sentir.

quero o barulho da feira,
as paisagens mais diversas,
o toque e o cheiro das gentes,
o sabor agridoce e amargamente salgado
dos retalhos de cultura desse mundo tão grande.

porque eu gosto é do estrago,
do caos,
da confusão,
das cores intensas ofuscando a vista,
múltiplos palcos,
pluralidade,
diversos focos,
excesso de informação.

mas o que faço?
aquiesço
não me esforço
fico quieta. por falta de coragem,
sufoco loucuras
de querer vida em exagero
e continuo tentando
me encaixar nesses moldes
pré-fabricados sem meu consentimento
para os quais meu cérebro é muito pequeno
e o meu coração é grande
demais.

ouvindo: To build a home (feat. Patrick Wolf), The Cinematic Orchestra.

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