Cansada.
E as palavras que ficam zunindo na cabeça, os pensamentos confundindo-se com os do livro aberto, enquanto espero sentada durante quase três horas inteiras que meu pai chegue e me leve para casa. (Nunca desejei tanto um ônibus, o sabor que tem o impossível.) Cabeça vazia não é boa coisa. Essa vontade de desistir e procurar um caminho diferente. A agonia de se sentir tão incapaz. As frases que eu queria ter oportunidade de dizer, mas ficam entaladas, vão saindo em linhas de grafite no verso da prova amassada cheia de questões que errei porque a falta de atenção é maior do que minha capacidade de fazer as coisas da maneira mais sensata.
Sabe? Eu tenho sonhado tanto. Durmo e passam pela minha cabeças uns filmes que me assustam e fascinam. Mas nunca são pesadelos. É a única hora em que sinto como se estivesse vivendo de verdade, porque os pensamentos vêm mais naturais, o raciocínio é mais rápido e as sensações são até mais intensas do que quando estou desperta e pareço assim, anestesiada.
Houve um dia em que sonhei que passava de carro por perto de onde você mora. Era como se fosse um lugar totalmente diferente, o crepúsculo era vermelho demais e as estrelas eram mais bonitas do que sobre o meu teto e eu até conseguia identificar as constelações, mesmo as que eu não conhecia. Lá, o que antes era apenas um conjunto de nomes, tornou tão óbvio que me pareceu estranho ter um dia duvidado de sua lógica.
Num bar meio barulhento com um placar de giz para sinuca, expliquei a situação, mas ninguém me deixou ficar e chamá-lo pra um café. Ao ir embora, olhei pra cima e as estrelas formavam desenhos cada vez mais nítidos num fundo de papel quadriculado que começou a girar e tentar projetar-se como um sólido geométrico. Só eu via isso e foi tanta informação que desmaiei, para acordar ouvindo os primeiros pássaros e sentir o gato dormindo encostado nas minhas pernas.
Hoje, guardando pertences em gavetas, encontrei o que escrevi ontem na folha de papel e era tudo tão piegas que era verdade. E sendo eu como sou, continua sendo mais fácil eu ver estrelas girando do que tornar fato aquelas hipóteses de letra redonda e falta de fôlego.
ouvindo: Hyper ballad, Björk.
lendo: Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, Clarice Lispector.
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